quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Homenagem aos mestres

É com imenso prazer que, por mais uma vez, publico uma coluna em sua totalidade. Desta vez, extraí do blog Rio Acima do jornalista Marcelo Migliaccio. O post, em homenagem ao Dia do Professor - mais feriado desta cidade que quase não para - traz questões bem pertinentes, dentre as quais faço questão de destacar esse parágrafo:

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Aprendi na escola pública que a mistura é sempre benéfica. Na escola de elite, era o samba de uma nota só. Todas as crianças parecidas, com gostos, hábitos e educações parecidas. Na pública, não. Classe média, misturada com classe operária e com os filhos de militares que serviam nos quartéis da Praia Vermelha. Havia muito mais troca entre as crianças, muito mais aprendizado. Diversidade é fundamental. (...)"

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O Dia do Professor

Ainda lembro do primeiro “não” que o mundo me disse. Foi no jardim da infância do Colégio Fontainha, que ficava ali na Praça General Osório, em Ipanema. Algumas crianças levavam brinquedos e eu perguntei ao Miguel (como esquecer o nome?) se me deixaria brincar com o que ele trouxera.


– Não.


Fiquei chocado, só ouvira negativas até então dos meus pais, sempre ditas com amor. Mas a indiferença daquele garoto me deixou sem ação. Tanto que gravei o rosto dele na memória irremediavelmente, colorindo uma folha de papel com a língua de fora – tem gente que colore mordendo a língua.


O Fontainha (isso é nome?) foi minha primeira escola. A criança que levasse um lenço ganhava uma bala do diretor no portão de entrada. Eles deviam estar fartos de limpar o nariz da garotada e instituíram a premiação. Fiquei pouco tempo, acho que peguei coqueluche e só voltei a estudar no ano seguinte, o ano em que o homem pisou na Lua, 1969.


Fui para o Souza Leão, no Jardim Botânico, uma escola inesquecível, aquele cheiro de Parque Lage permanentemente no ar. No primeiro dia, cheguei atrasado, e ainda por cima, sem meu uniforme, que não havia ficado pronto. Imagine! Me senti “o” estranho, todo mundo olhando, horrível. Sorte que a Raquel era uma ótima professora, linda. No pré-primário, tudo que queremos, e precisamos, é ter uma professora linda... e a Raquel era.


Fiquei no Souza Leão até o segundo ano primário, que hoje deve corresponder a algo como primeira fase do ciclo básico do ensino fundamental do ano dois. Terminologias à parte, no segundo primário eu ficava maravilhado quando via o Reginaldo, funcionário da cantina, batucar no balcão. Nunca tinha visto ninguém batucar, e ele ainda cantava ao mesmo tempo. Achei fantástico.


No Souza Leão, eu estudava em meio à nata da nata. Filhos de artistas consagrados como Fernanda Montenegro e Chico Anysio; de banqueiros; de grandes empresários. Quase todo mundo chegava de chofer, mas eu vinha no ônibus escolar, já que meus pais, felizmente, sempre souberam que uma boa escola para um filho vale qualquer sacrifício. Um dia, meu pai foi me levar na sua picape surrada, e eu entrei na sala dizendo que tinha vindo com o “meu chofer”. Ah, também mentia que tinha dois irmãos. Todos lá tinham e me incomodava ser filho único.


No final de 1971, mudamos de Ipanema para a Urca e meus pais me colocaram numa escola pública municipal, a Minas Gerais, que era praticamente do lado da minha casa. Você pode imaginar o choque. Do seio da elite aos braços do povo.
No Souza Leão, havia somente um aluno negro. Um não, dois, no meio de mais de 500 brancos. No Minas Gerais, muitos negros, entre eles os gêmeos Cosme e Damião, filhos de uma empregada doméstica que tinha também uma filha, mais velha, chamada Rosemary.

Aprendi na escola pública que a mistura é sempre benéfica. Na escola de elite, era o samba de uma nota só. Todas as crianças parecidas, com gostos, hábitos e educações parecidas. Na pública, não. Classe média, misturada com classe operária e com os filhos de militares que serviam nos quartéis da Praia Vermelha. Havia muito mais troca entre as crianças, muito mais aprendizado. Diversidade é fundamental.


Eu não sabia o que era pobreza até ver uma colega com a camisa furada e a saia remendada. Se tivesse ficado no ótimo e delicioso Souza Leão, talvez não soubesse até hoje.


Mas escrevi este texto porque na quinta-feira é Dia do Professor. Tive grandes mestres, tanto nas duas escolas citadas quanto no São Vicente de Paulo, onde fiquei da sexta série até o vestibular. Quem me ensinou a escrever direito foi Antonio Farias, um cearense que exigia redações sem o verbo "ser" e sem repetição de palavras; Palhares tornou a química interessante; Cesar ensiava geografia e humanismo; Zacarias dava uma aula de história melhor que um documentário; Claudio não precisava de régua e compasso para traçar retas e círculos; Antonio Sergio, no meio de uma aula de física, encontrava brechas para criticar os homens por darem mais valor a carros do que a pessoas; e tantos outros. Que injustiça cometo ao omiti-los aqui.


Não poderia mencionar todos eles, porque, graças a Deus, foram muitos, desde Maria de Lourdes Cunha e Carmem Ponsati, no primário. Mas, onde quer que estejam, vai aqui meu agradecimento sincero e emocionado por terem me ensinado, principalmente, a pensar.

Para ler este post no blog do autor: http://www.jblog.com.br/rioacima.php?itemid=16383

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